segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

NO TEMPO DE MINHA INFÂNCIA


TEMPO DE MINHA INFÂNCIA
No tempo da minha infância 
Nossa vida era normal 
Nunca me foi proibido 
Comer muito açúcar ou sal 
Hoje tudo é diferente 
Sempre alguém ensina a gente 
Que comer tudo faz mal 

Bebi leite ao natural 
Da minha vaca Quitéria 
E nunca fiquei de cama 
Com uma doença séria 
As crianças de hoje em dia 
Não bebem como eu bebia 
Pra não pegar bactéria 

A barriga da miséria 
Tirei com tranquilidade 
Do pão com manteiga e queijo 
Hoje só resta a saudade 
A vida ficou sem graça 
Não se pode comer massa 
Por causa da obesidade 

Eu comi ovo à vontade 
Sem ter contra indicação 
Pois o tal colesterol 
Pra mim nunca foi vilão 
Hoje a vida é uma loucura 
Dizem que qualquer gordura 
Nos mata do coração 

Com a modernização 
Quase tudo é proibido 
Pois sempre tem uma Lei 
Que nos deixa reprimido 
Fazendo tudo que eu fiz 
Hoje me sinto feliz 
Só por ter sobrevivido 

Eu nunca fui impedido 
De poder me divertir 
E nas casas dos amigos 
Eu entrava sem pedir 
Não se temia a galera 
E naquele tempo era 
Proibido proibir 

Vi o meu pai dirigir 
Numa total confiança 
Sem apoio, sem air-bag 
Sem cinto de segurança 
E eu no banco de trás 
Solto, igualzinho aos demais 
Fazia a maior festança 

No meu tempo de criança 
Por ter sido reprovado 
Ninguém ia ao psicólogo 
Nem se ficava frustrado 
Quando isso acontecia 
A gente só repetia 
Até que fosse aprovado 

Não tinha superdotado 
Nem a tal dislexia 
E a hiperatividade 
É coisa que não se via 
Falta de concentração 
Se curava com carão 
E disso ninguém morria 

Nesse tempo se bebia 
Água vinda da torneira 
De uma fonte natural 
Ou até de uma mangueira 
E essa água engarrafada 
Que diz-se esterilizada 
Nunca entrou na nossa feira 

Para a gente era besteira 
Ter perna ou braço engessado 
Ter alguns dentes partidos 
Ou um joelho arranhado 
Papai guardava veneno 
Em um armário pequeno 
Sem chave e sem cadeado 

Nunca fui envenenado 
Com as tintas dos brinquedos 
Remédios e detergentes 
Se guardavam, sem segredos 
E descalço, na areia 
Eu joguei bola de meia 
Rasgando as pontas dos dedos 

Aboli todos os medos 
Apostando umas carreiras 
Em carros de rolimã 
Sem usar cotoveleiras 
Pra correr de bicicleta 
Nunca usei, feito um atleta, 
Capacete e joelheiras 

Entre outras brincadeiras 
Brinquei de Carrinho de Mão 
Estátua, Jogo da Velha 
Bola de Gude e Pião 
De mocinhos e Cawboys 
E até de super-heróis 
Que vi na televisão 

Eu cantei Cai, Cai Balão, 
Palma é palma, Pé é pé 
Gata Pintada, Esta Rua 
Pai Francisco e 
De Marré 
Também cantei Tororó 
Brinquei de Escravos de Jó 
E o Sapo não lava o pé 

Com anzol e jereré 
Muitas vezes fui pescar 
E só saía do rio 
Pra ir pra casa jantar 
Peixe nenhum eu pagava 
Mas os banhos que eu tomava 
Dão prazer em recordar 

Tomava banho de mar 
Na estação do verão 
Quando papai nos levava 
Em cima de um caminhão 
Não voltava bronzeado 
Mas com o corpo queimado 
Parecendo um camarão 

Sem ter tanta evolução 
O Playstation não havia 
E nenhum jogo de vídeo 
Naquele tempo existia 
Não tinha vídeo cassete 
Muito menos internet 
Como se tem hoje em dia 

O meu cachorro comia 
O resto do nosso almoço 
Não existia ração 
Nem brinquedo feito osso 
E para as pulgas matar 
Nunca vi ninguém botar 
Um colar no seu pescoço 

E ele achava um colosso 
Tomar banho de mangueira 
Ou numa água bem fria 
Debaixo duma torneira 
E a gente fazia farra 
Usando sabão em barra 
Pra tirar sua sujeira 

Fui feliz a vida inteira 
Sem usar um celular 
De manhã ia pra aula 
Mas voltava pra almoçar 
Mamãe não se preocupava 
Pois sabia que eu chegava 
Sem precisar avisar 

Comecei a trabalhar 
Com oito anos de idade 
Pois o meu pai me mostrava 
Que pra ter dignidade 
O trabalho era importante 
Pra não me ver adiante 
Ir pra marginalidade 

Mas hoje a sociedade 
Essa visão não alcança 
E proíbe qualquer pai 
Dar trabalho a uma criança 
Prefere ver nossos filhos 
Vivendo fora dos trilhos 
Num mundo sem esperança 

A vida era bem mais mansa, 
Com um pouco de insensatez. 
Eu me lembro com detalhes 
De tudo que a gente fez, 
Por isso tenho saudade 
E hoje sinto vontade 
De ser criança outra vez..

No tempo da minha infância* 
(Ismael Gaião)

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